O livro proibido da meta, amigos como seres mitológicos e o offline que nunca foi
Como existir no mundo digital hiperconectado sem surtar?
Vc ficou sabendo sobre o livro “Careless People” que foi lançado mês passado e já tem processo judicial da Meta pra impedir sua divulgação?
Pois então, eu acabei de ler a referida obra, onde Sarah Wynn-Williams, que foi Diretora Global de Políticas Públicas da empresa entre 2011 e 2017, narra em detalhes muita coisa que a gente já sabia e imaginava, mas agora com histórias concretas (que a Meta diz serem falsas) e fofoquinhas.
Sarah passou pela empresa em um período bem formativo. Antes do próprio Mark entender o impacto geopolítico que a empresa teria no mundo, antes das eleições de 2016 que elegeram Trump e ficaram conhecidas como “The Facebook Elections”, do escândalo da Cambridge Analytica e dos anúncios direcionados a adolescentes tristes, antes da empresa sequer ter uma política de conteúdo e regras de comunidade. Antes da Meta ficar maior do que governos e deixar de sentar na mesa pra conversar.
PS - Tem uns trechos belérrimos no livro onde a ex-Diretora narra como o Brasil foi um dos primeiros países DO MUNDO a estabelecer leis e regras pro digital (o que impediu que o Facebook cometesse alguns abusos aqui) e tbm como a gente NUNCA NUNQUINHA NEVER comprou as (falsas) narrativas altruístas de conectividade e inclusão da plataforma (que no final queria mesmo era colocar a maior quantidade de usuários pra dentro).
Mas voltando… Isso aqui não é um review completo do livro, então se vc quiser ler sobre os detalhes sórdidos, é só dar um Google. A fofoca no livro é boa e entretém, mas a leitura deixa um gosto amargo na boca.
O livro é (mais) uma oportunidade pra gente pensar sobre nossa relação com as redes e como a gente tá entregue. (Incluindo aí nossas crianças, como bem mostrou a série Adolescência, né?).
Mas e aí, o que a gente faz com isso?
O offline é o novo luxo, bla bla bla.
Olha, já faz tempo que a gente quer sair das redes, olhar mais no olho, andar sem sapato na grama… Lá em 2017 a gente já tava falando que o offline era o novo luxo e procurando formas de se desconectar. Em 2019 teve até documentário falando que o “offline era o novo luxo”. Em 2020 eu tava dando dicas de desconexão pro G1. Em 2023 a gente ainda batia na tecla do offline como o novo luxo. Em 2024 popularizaram até um tal de JOLO (Joy of Logging off) pra mudar um pouco a narrativa, né? E, finalmente, chegamos em 2025 falando a mesma coisa: só que agora em formato de caneca, camiseta, meme, imagem bonita no Pinterest e até retiro.
Ficar offline mesmo que é bom não estamos conseguindo.
E não é só o mundo offline que (re)virou tendência, seus amigos agora tb são tendência, sabia?
A Meta anunciou que vai reativar a aba “Friends” no Facebook e o título do post oficial no blog da empresa é engraçado demais: “Bringing the Magic of Friends Back to Facebook”.
Amigos, esses seres mágicos, quase mitológicos, que temos que recuperar em nossas vidas. E temos mesmo, uai! Eu concordo. Eu acho que esse é um excelentíssimo caminho pra desconectar: reconectando.
Parece que quanto mais tecnologia (tipo AI) e quanto mais as interações digitais evoluíram, mais a gente ficou se sentindo sozinho (com epidemia de solidão e tudo). Esse foi o grande tema que apareceu lá no SXSW. A palestra de abertura cunhou esse “novo” termo: SOCIAL HEALTH! Vou deixar aqui o vídeo da palestra completa pra vc assistir (tem legenda em portugues) e se envolver com o tema que é muito legal:
Mas, honestamente, não acredito que sair da internet é o caminho.
Não é algo que é pra todo mundo. É um baita privilégio sair das redes e ficar offline desse jeito. Muita coisa ainda passa pela internet e redes sociais (trabalho, consumo, relações, entretenimento, escapismo, etc). Fica sendo uma saída de curto prazo, pq o mundo hoje é digital e hiperconectado e assim seguirá.
E tbm, eu acho muito que a minha desconexão pessoal não vai dar conta de resolver um problema do coletivo. Esse sistema viciante das redes sociais - que é projeto e não um acaso, como mostra o livro proibidão - vai continuar funcionando e impactando bilhões de pessoas. (Inclusive as futuras gerações que depois vão virar tema de séries como Adolescência. SOCORRO!).
Eu amei muito a palestra do Rushkoff no SXSW, que propõe que uma solução pra isso tudo seja fazer mais sexo, tomar uns cogumelos, dançar coladinho e tal. Por a pele pra jogo!
Mas tbm acho que dá pra fazer mais: temos que recuperar nossa AGÊNCIA, que não é uma palavra muito comum no português, mas que tem estado comigo desde o ano passado quando participei do House of Beautiful Business (que é um evento que eu acho muito mais legal que o SXSW) e onde se falou muito sobre isso.
Agência aqui significa uma forma de continuar existindo nesse mundo da tecnologia hiperconectada, mas com mais consciência, presença e intenção.
Dá pra criar alguma experiência de internet mais quentinha? Dar atenção pra coisas diferentes? Dá pra mudar de plataforma (substack, beehiv, bluesky, discord, etc)? Resgatar a cultura do hyperlink pra levar pessoas a lugares mais interessantes?
Acho que essa agência passa muito por não ser apenas conduzida pelos algoritmos, mas escolher, sempre que possível, como e por que interagir com esse mundão do digital.
É lembrar que, mesmo imersos nesse caos de brainrot e dopamina high, a gente ainda tem escolha.
E essas escolham importam.
O ano passado consegui me livrar do Instagram. Chamo de livramento mesmo pq minha vida ficou particularmente melhor . O luxo no caso é a não dependência do meu CPF aberto nas redes para fazer grana . Minhas fontes de rendas não estão mais conectadas com a minha pessoa física, e meu deus , que alívio . Mas quando tento ter esse papo vejo que a maior parte acredita que a vida social e financeira dela vai acabar se elas saírem das redes. E parece que existe uma construção para todo mundo acreditar que isso é verdade . Enfim. Ando tendo uma vontade imensa de ter trocas sobre esse assunto mas sempre esbarro em um "pena que não posso fazer isso". Será ?
Sdds bia.
Que texto maravilhoso, honesto e necessario. Tem muito conteudo querendo pregar utopia de desconexao total, ignorando que estamos em 2025, o capitalismo, o escapismo, e uma serie de ourras questoes, e vc nos traz uma perspectiva fresca, realista e objetiva. Ainda temos poder, ainda temos controle. Que bom que a sua perspectiva ainda pertence a voce, e que bom poder partilhar dela.